... e desci do ônibus, finalmente, a caminho de casa. Uma lixeira revirada indicava os traços da cidade. Um copo plástico vazio e sujo de um compromisso atrasado. Um comprovante bancário de uma vida de dívidas. Uma camisinha usada é o entrave das idéias - um gênio pode ter sido desperdiçado. Bitucas de cigarro de pessoas que anseiam a morte.
Os pensamentos voam longe quando se está cansado. O mundo perde o sentido quando você não é mais escravo do tempo - mesmo que seja nas horas finais de seu dia. O cansaço de uma lata vazia e amassada, esvaziada às pressas. Você pode falar que a culpa é dos demais sujismundos da cidade, mas ainda assim fará parte do lixo. Pode falar que isso é trabalho dos garis, e que está dando emprego para eles, mas isso não faz a rotina deles menos cansativa ou honrosa que a sua. E ainda tem a cara de pau de afirmar que um médico precisa ganhar mais para cuidar da sua saúde - pois ele te salva a vida.
Tem coisas que nunca deveriam ter saído da lata de lixo. Vagando solitárias pela cidade, à espera de uma alma caridosa que lhe conceda o céu. Uma reciclagem, talvez? A vida após a morte num período de tempo indeterminado. Ao menos até a reciclagem não dar mais conta disso.
E te xingam caso você resolva tirar proveito dele, em busca de um bilhete de loteria jogado fora ao acaso, um sofá mal utilizado ou um resto de comida para manter-se vivo. O lixo dos lixos não é quem tira proveito dele... é quem estimula o seu crescimento, sem dar valor ao que desperdiça.
Lixos também contam histórias. Fazem reflexões, criam arte. Você acabou de ler a minha. Também pode contar a sua.