Brisa de Inverno

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Brisa de Inverno

Mensagempor Magyar em 11 Mai 2011, 16:24



A última folha que caiu do carvalho anunciou o inverno de minha vida. Margarida era uma pessoa dedicada que sempre cuidara de mim da maneira que podia. Um amor de avó que sempre me fez respeitá-la, por mais que não usufruíssemos da mesma raiz. Agora ela jazia em um caixão enquanto pessoas que sempre falaram mal dela nutriam um profundo arrependimento de falas passadas, transformando-a em um ícone da bondade. Hipócritas.

Uma brisa gelada que congelou os meus pensamentos. Ela não era a santa que proclamavam em seu velório. Eu sei disso porque a amei suficientemente para reconhecer os seus defeitos. Arrogante - ignorava idéias que lhe pareciam ilógicas. "Como assim você pretende viver tirando fotos? Tem que ser alguém da vida!". Por mais que fizesse de tudo pelo melhor, não fazia questão de levar em conta a opinião dos outros. Superficial - a ponto de comprar um produto pelo seu preço, ao invés de sua qualidade. "Não seria mais caro se não fosse o melhor!" teimava em anunciar quando qualquer um sugerisse algo diferente numa simples compra de supermercado.

Minhas memórias davam cores à visão embaçada de uma neblina que dominou a minha vida. Nunca pensei que ficaria tão triste por essa perda. Sempre a vi como um vidro embaçado que bloqueava a minha visão, e só agora percebi que a visão além do vidro não era digna de meus olhares. É confusa. Perdida. Tento assoprar o vidro a fim de torná-lo opaco novamente, e reparo que a sensação não é a mesma. O que foi visto não pode ser esquecido. Rabiscos no vidro não suprem o vazio.

O sol opaco esconde os fantasmas que me assombram pela eternidade de minhas lembranças. Objetos que me lembram de sua presença não passam de brasas de uma fogueira que se apagou. Um calor mínimo ao tocá-los me recordam de uma puxada de orelha. "Deixe esse prato de porcelana aí, Ricardo! Ele é mais velho e valioso que você, e não duvide que eu te quebre em pedacinhos se algo acontecer com ele!".

Um sorriso desvia a trajetória do rio de lágrima em meu rosto. A emoção toma conta da razão enquanto espero uma eternidade pela primavera. Não levara em conta que tamanho frio congelaria o tempo.
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Re: Brisa de Inverno

Mensagempor Lady Draconnasti em 12 Mai 2011, 08:03

Lindo texto. Dá para sentir um pouco do pesar do personagem ao perder sua avó. Devo ressaltar que gostei muito desse paragrafo em especial, pois achei que ele dão uma cor ao momento cinzento:

Minhas memórias davam cores à visão embaçada de uma neblina que dominou a minha vida. Nunca pensei que ficaria tão triste por essa perda. Sempre a vi como um vidro embaçado que bloqueava a minha visão, e só agora percebi que a visão além do vidro não era digna de meus olhares. É confusa. Perdida. Tento assoprar o vidro a fim de torná-lo opaco novamente, e reparo que a sensação não é a mesma. O que foi visto não pode ser esquecido. Rabiscos no vidro não suprem o vazio.
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Re: Brisa de Inverno

Mensagempor Magyar em 12 Mai 2011, 17:46

Gratzias, Lady!

Escreve-lo ao som do vídeo ajudou a entrar em tal clima. Só não tenho certeza se exagerei nas reflexões - como de costume. rs

Inté!
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