Talvez seria a sua pureza. Ou algo no sangue. Estava a cortar os galhos excessivos da moita, que tomara conta de seu jardim. Inicialmente, assustou-se com o movimento existente entre os galhos. Um gato? um rato? Talvez um pássaro? Abaixou-se e tentou identificar o vulto que o fizera parar com a sua tarefa.
Lentamente, um pássaro branco, com pulos tímidos, surgiu em seu caminho. Com um pequeno bico cinzento e penas laranjas e amarelas no topo da cabeça, a calopsita veio em sua direção. Ficou surpreso e um tanto perplexado pela aparição. Quando percebeu, ela já estava em sua mão. Estendeu o dedo e logo ela subiu. Perguntou-se que caminhos ela fizera para ali chegar. Pensou em informar alguém sobre o achado, mas estava admirado demais.
Colocou-a em seu ombro, e logo se pôs a caminho da cozinha em busca de água ou algo para ela comer. Fora algumas gotas de água que bebeu de seu dedo, recusou as migalhas de pão. Só queria a sua companhia. Ela se distraia com a sua orelha e seu cabelo. Ele ria da sensação de ter penas em seu pescoço e das leves bicadas em sua orelha - como se ela tentasse contar a sua história.
Divertiu-se por alguns minutos, até que lembrou que ela deveria estar perdida. Logo divulgou aos amigos o ocorrido, em busca de seu verdadeiro dono. Não poderia mantê-la com ele, sabendo que alguém poderia estar preocupado, a sua procura.
No dia seguinte, sem ter nenhuma notificação sobre a calopsita perdida, não soube o que fazer. Deixaria ela sozinha na casa? Levaria ela para a aula? Deixaria de ir na aula? Estava confuso. Resolveu levá-la na esperança de que o seu dono a visse.
Ao chegar na aula, foi o centro das atenções. Apesar dela preferir o seu ombro, aceitava carinho e interagia com as demais pessoas. Até a professora cedeu alguns minutos para aquele pássaro intrigante. Apesar de tudo, ele sabia que isso só pioraria a hora da partida.
Na hora do almoço, nenhuma notificação ainda. Dessa vez, não permitiram a sua entrada com o pássaro no restaurante, deixando-o novamente num dilema. Como solução, resolveu deixá-la com algumas amigas enquanto almoçaria. No momento em que foi passá-la para as amigas, a calopsita abriu as asas e saiu voando.
Por alguns instantes pensou se não fora um erro tê-la levado para lá. Deveria ter providenciado uma gaiola. Ficaria bem? Depois de refletir, percebeu que tomara a melhor decisão. Ela não tinha dono. Estava lá porque queria, e algum instinto a mandou para outro lugar. Talvez conhecer outras pessoas, contar as suas histórias do jeito dela. Dar cor e brilho para o dia de mais algum estranho que parasse em seu caminho.
Chegando em casa, ele terminou de aparar a moita, para quem sabe mais pássaros lá pousarem.