Chet Baker - My Funny Valentine (9:34) (Reprise) (6:48)“Este papel está muito amassado e molhado”, penso e desisto de entregá-lo.
Amassado porque não paro de dobrá-lo e desdobrá-lo de qualquer jeito na minha mão, em cima do balcão do bar, pra descontar a ansiedade; molhado porque sempre esbarra na marca de suor que o copo de cerveja gelado deixa na madeira, e é um mero guardanapo de papel e não tem dessas de molhar e não estragar. A tinta já foi embora, na verdade, e nem dá pra ler o que eu tinha escrito.
Estou ansioso como nunca, quero alargar a gravata porque acho que eu mesmo vou começar a suar daqui a pouco. “Que o topete, ao menos, não desmanche”, penso eu, porque seria o único topete que me resta.
Tenho topete nenhum pra descer deste banco e abordar a moça de vermelho sentada ao mesmo balcão que eu, mas distante. Aqueles ombros desnudos dela não me deixam, não me deixam. A voz da mãe soa aqui dentro, “com mulher que mostra o ombro não se envolve”, mas meu coração não quer tomar como verdade e tenta toda hora sair pela minha garganta. Ao menos o nó da gravata permitisse...
Engulo em seco e é muito pouco tempo até que eu me sinta mal e de repente minha barriga queira subir dois andares de elevador e compartilhar uma repartição no meu peito. É num resto de cerveja que desço goela abaixo que encontro o sossego do estômago, pois que o líquido é peso o suficiente pra mantê-lo em seu lugar. Mas eu ainda tremo; agora minhas mãos suam um pouco. Certa vez me disseram que era sudorese; o barman só me diz que pode servir outro chopp se eu quiser. Eu digo que aceito um guardanapo de pano.
Minha caneta-tinteiro de preto pesado sai do meu bolso e escreve no guardanapo do bar e só o trompetista da banda percebe o branco manchado e erra uma nota. Guardada a caneta no bolso e apertado o pano na mão eu deslizo do banco e contorno o balcão largando o bilhete, e a mulher de vermelho e de ombros expostos se surpreende quando chega o estranho correio e não encontra remetente ao procurá-lo ao redor. Só um rabo de paletó dobrando a escada que leva à saída, de um cliente que talvez não tenha pagado a conta e cujo rosto não conhecia.
Sobre o balcão, a mensagem escrita desmanchava-se com o suor do copo da cerveja dela, que invadia o guardanapo antes mesmo da moça entender que um estranho havia lhe jogado não um pano sujo de preto – mas um recado.