[21] Parte 1: Vinte e um andares
Enviado: 09 Mar 2010, 01:28Você já se imaginou parado no parapeito do terraço de um prédio de vinte e um andares, vestindo seu tênis mais velho e uma roupa tão vagabunda quanto à gilete que usa para se barbear?
Não?
Eu também não. Mas sonhei com essa porra.
E o fato mais bizarro não foi apenas ter sonhado com uma coisa assim, mas foi pensar nisso durante muitas vezes depois de acordar daquele pesadelo sinistro. E olha que eu quase nunca lembro de nada do que eu sonho.
Então teve o sonho.
Eu olhava pra baixo e via meus cadarços. Um é mais cumprido que o outro, pois de tão velho o do pé direito já se arrebentou e o laço dele fica bem menor do que o do pé esquerdo, mas isso nunca havia me incomodado de fato, não até aquela olhadela do alto do prédio.
E então vem aquele pensamento:
“Viu, eu sabia que isso seria inevitável. No fundo eu sempre soube.”
Tá, eu sei que havia mais do que os cadarços. Mas é o que me volta à memória.
Pois então acordo, é meio da noite e eu estou suando. O sonho foge por um momento da minha consciência e eu tento agarrá-lo e trazê-lo de volta. Quero voltar a dormir e continuar do ponto que eu parei, assim como naquelas vezes em que se acorda no meio de um sonho erótico antes do melhor momento. Tenho a sensação que estou deixando algo passar, respiro fundo e olho para o despertador, são quatro e vinte e um da manhã.
Vigésimo primeiro.
Vou pra cozinha, acho que um copo de leite não é má ideia. Algo está estranho, não me lembro de dormir vestido quando não há visitas em casa. Estou com um calção que costumava jogar basquete e uma camiseta velha e desbotada. Me assusto com uma presença na cozinha, minha irmã esta fumando por lá, aparentemente eu fiz bem em dormir vestido. Ela me olha, eu olho de volta e ambos sabemos o porquê do outro estar acordado. Insônia e pesadelo. Uma dupla de irmãos com problemas em dormir bem.
Além dos problemas para dormir bem, que nós compartilhamos desde muito tempo, temos outro ponto em comum; não nos socializamos quando nos encontramos pela casa durante uma madrugada atormentada. Nunca falamos sobre isso, mas tenho – ou tinha – certeza que ela se incomodava tanto quanto eu com pessoas que querem puxar um assunto nada necessário as quatro e pouco da manhã. Bebi meu leite e voltei para o quarto, ela ficou fumando.
Me deitei e quando atingi o limiar da consciência, pouco antes de cair no sono, me ocorreu um pensamento:
“Era para seu eu. Eu sempre soube disso, mas agora é inevitável”.
Não me lembro por quanto tempo eu dormi, e nem de muita coisa do que se seguiu nas trinta e seis horas após ser acordado com a campainha gemendo sem parar. Minha única irmã e única pessoa que poderia ser considerada como família para mim havia se jogado do alto do prédio em que eu vivia. Do alto de um prédio de vinte e um andares.
Vinte e um.
E haviam vinte e um bilhetes amassados no chão da cozinha. Mas nenhum deles era uma carta de despedida.
Vinte e uma pessoas assinaram a lista de condolências no velório de minha irmã.
Passaram vinte e um dias até eu perceber que os bilhetes não eram frases avulsas.
Mas de um coisa eu não precisei de mais de dois minutos para perceber:
Minha irmã calcava os meus tênis velhos quando pulou daquele prédio.
Não?
Eu também não. Mas sonhei com essa porra.
E o fato mais bizarro não foi apenas ter sonhado com uma coisa assim, mas foi pensar nisso durante muitas vezes depois de acordar daquele pesadelo sinistro. E olha que eu quase nunca lembro de nada do que eu sonho.
Então teve o sonho.
Eu olhava pra baixo e via meus cadarços. Um é mais cumprido que o outro, pois de tão velho o do pé direito já se arrebentou e o laço dele fica bem menor do que o do pé esquerdo, mas isso nunca havia me incomodado de fato, não até aquela olhadela do alto do prédio.
E então vem aquele pensamento:
“Viu, eu sabia que isso seria inevitável. No fundo eu sempre soube.”
Tá, eu sei que havia mais do que os cadarços. Mas é o que me volta à memória.
Pois então acordo, é meio da noite e eu estou suando. O sonho foge por um momento da minha consciência e eu tento agarrá-lo e trazê-lo de volta. Quero voltar a dormir e continuar do ponto que eu parei, assim como naquelas vezes em que se acorda no meio de um sonho erótico antes do melhor momento. Tenho a sensação que estou deixando algo passar, respiro fundo e olho para o despertador, são quatro e vinte e um da manhã.
Vigésimo primeiro.
Vou pra cozinha, acho que um copo de leite não é má ideia. Algo está estranho, não me lembro de dormir vestido quando não há visitas em casa. Estou com um calção que costumava jogar basquete e uma camiseta velha e desbotada. Me assusto com uma presença na cozinha, minha irmã esta fumando por lá, aparentemente eu fiz bem em dormir vestido. Ela me olha, eu olho de volta e ambos sabemos o porquê do outro estar acordado. Insônia e pesadelo. Uma dupla de irmãos com problemas em dormir bem.
Além dos problemas para dormir bem, que nós compartilhamos desde muito tempo, temos outro ponto em comum; não nos socializamos quando nos encontramos pela casa durante uma madrugada atormentada. Nunca falamos sobre isso, mas tenho – ou tinha – certeza que ela se incomodava tanto quanto eu com pessoas que querem puxar um assunto nada necessário as quatro e pouco da manhã. Bebi meu leite e voltei para o quarto, ela ficou fumando.
Me deitei e quando atingi o limiar da consciência, pouco antes de cair no sono, me ocorreu um pensamento:
“Era para seu eu. Eu sempre soube disso, mas agora é inevitável”.
Não me lembro por quanto tempo eu dormi, e nem de muita coisa do que se seguiu nas trinta e seis horas após ser acordado com a campainha gemendo sem parar. Minha única irmã e única pessoa que poderia ser considerada como família para mim havia se jogado do alto do prédio em que eu vivia. Do alto de um prédio de vinte e um andares.
Vinte e um.
E haviam vinte e um bilhetes amassados no chão da cozinha. Mas nenhum deles era uma carta de despedida.
Vinte e uma pessoas assinaram a lista de condolências no velório de minha irmã.
Passaram vinte e um dias até eu perceber que os bilhetes não eram frases avulsas.
Mas de um coisa eu não precisei de mais de dois minutos para perceber:
Minha irmã calcava os meus tênis velhos quando pulou daquele prédio.