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Perto dos olhos
Ele fitava o corpo estendido no chão; num último instante, os braços cruzados tentavam proteger o corpo belíssimo ao invés de lutar, como se, nos estertores finais, proteger a integridade do próprio corpo fosse mais importante que tentar conter seu assassino. Os olhos, ela parecia encarar o agressor com severa reprovação, ao mesmo tempo em que aparentava estar – de certo modo – conformada com seu destino. Nenhuma marca conspurcava o vestido branco, nada de ferimento ou sangue... então, que teria acontecido?
Já havia umas horas que ele estava ali, pensativo, sentado no chão ao lado do corpo; fumava copiosamente. Formava-se uma bruma no quarto, e sua cabeça rebentava de ressaca, a testa latejando com uma dor desproporcional: volta e meia ele se perguntava se tamanha dor sequer cabia em uma só cabeça. Talvez ainda fossem miasmas do uísque de terceira ou mesmo da fumaça que se agigantava no cômodo minúsculo, mas ele não se lembrava de nada.
É certo que as garrafas e pontas de cigarro, numerosas, indicassem o quão embriagado ele estava – ou estivera –, bem como, espalhados por todo canto, as revistas, cartões-postais, rótulos que ele avidamente colecionava, propagandas recortadas de jornais e semanários. O próprio apartamento, escuro e desordenado, típico de solteirão; destoava aquela mulher, repousando sobre um tapete imundo, mas bela e imaculada.
Ele mesmo percebia o apartamento com dificuldade, a visão manquejando, os sentidos ébrios; as memórias em confusa girândola, disparando em todas as direções. As mulheres dos cartazes se moviam em desordenada carreira, deixando seus aspiradores, cães e cenários praianos para talvez censurá-lo... e ele não conseguia entender. Acendeu um cigarro e deixou que aquelas musas o guiassem: Betty parecia triste; Rita, confusa; Carmen e Marilyn, atordoadas; Julie estava furiosa, bem como Raquel e Sophia. Bebeu um generoso gole do uísque barato, ainda no prosaico saco de papel, e começou a entender.
Entendeu, e desabou em soluços ao perceber; todas elas, absolutamente todas, tinham sido testemunhas, mudas, do crime – passional: matara sua pin-up preferida.