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Perto dos olhos

MensagemEnviado: 16 Jun 2009, 00:48
por Madrüga
Seguindo o exemplo do Emil, eu mandei um continho para o concurso da revista Piauí, que era para ser baseado na seguinte ilustração de Al Parker:


Imagem reduzida. Clique na imagem para vê-la no tamanho original.


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Perto dos olhos

Ele fitava o corpo estendido no chão; num último instante, os braços cruzados tentavam proteger o corpo belíssimo ao invés de lutar, como se, nos estertores finais, proteger a integridade do próprio corpo fosse mais importante que tentar conter seu assassino. Os olhos, ela parecia encarar o agressor com severa reprovação, ao mesmo tempo em que aparentava estar – de certo modo – conformada com seu destino. Nenhuma marca conspurcava o vestido branco, nada de ferimento ou sangue... então, que teria acontecido?

Já havia umas horas que ele estava ali, pensativo, sentado no chão ao lado do corpo; fumava copiosamente. Formava-se uma bruma no quarto, e sua cabeça rebentava de ressaca, a testa latejando com uma dor desproporcional: volta e meia ele se perguntava se tamanha dor sequer cabia em uma só cabeça. Talvez ainda fossem miasmas do uísque de terceira ou mesmo da fumaça que se agigantava no cômodo minúsculo, mas ele não se lembrava de nada.

É certo que as garrafas e pontas de cigarro, numerosas, indicassem o quão embriagado ele estava – ou estivera –, bem como, espalhados por todo canto, as revistas, cartões-postais, rótulos que ele avidamente colecionava, propagandas recortadas de jornais e semanários. O próprio apartamento, escuro e desordenado, típico de solteirão; destoava aquela mulher, repousando sobre um tapete imundo, mas bela e imaculada.

Ele mesmo percebia o apartamento com dificuldade, a visão manquejando, os sentidos ébrios; as memórias em confusa girândola, disparando em todas as direções. As mulheres dos cartazes se moviam em desordenada carreira, deixando seus aspiradores, cães e cenários praianos para talvez censurá-lo... e ele não conseguia entender. Acendeu um cigarro e deixou que aquelas musas o guiassem: Betty parecia triste; Rita, confusa; Carmen e Marilyn, atordoadas; Julie estava furiosa, bem como Raquel e Sophia. Bebeu um generoso gole do uísque barato, ainda no prosaico saco de papel, e começou a entender.

Entendeu, e desabou em soluços ao perceber; todas elas, absolutamente todas, tinham sido testemunhas, mudas, do crime – passional: matara sua pin-up preferida.

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 05 Ago 2009, 09:43
por Léderon
Uou.

Primeiro que eu adoro a relação texto-imagem e o desenvolvimento de textos verbais a partir de ilustrações (e vice versa), sendo - teoricamente, já que eu ainda não comecei a escrever XD - um dos temas do meu TCC.

Segundo, Maddie: adorei. O "normal" seria contar algo apenas sobre a mulher - o foco da imagem - e o porquê dela estar em tal posição. Você foi muito feliz em usá-la apenas como o "chão" do quarto, como âncora para descrever as paredes e o teto, ainda que ela não tenha saído da evidência. Deu pra fazer uma imagem perfeita de tudo.

E eu adorei a linguagem empregada. :wub:

Parabéns!

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 27 Ago 2009, 10:41
por Galtor_rj
Me amarrei nas partes das pin-ups. Betty Page?... Adoro essa estética. Bem, achei a coisa toda muito acadêmica, se é que me entende. Com algumas ";" inúteis. Ilustração show de bola.

Qual foi o resultado da revista?


Há braços.

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 27 Ago 2009, 13:12
por Madrüga
Pontos-e-vírgulas nunca são inúteis. E você está questionando minha mestria no emprego deles? :frenzied:

E Galtor, a idéia era tentar uma narrativa um pouco mais truncada, um pouco mais adequada à confusão, usando o ritmo das frases (daí o cuidado com pontuação) e tropos meio abandonados, como o anacoluto (que é visto mais de uma vez). O fluxo de consciência somado a uma tentativa de combinação não-óbvia de palavras (como "fumar copiosamente") acaba gerando uma estranheza de leitura. Que era o que eu estava tentando.

E, no fim das contas, deu em nada; eu e Emil nos matamos para escrever um conto antes da meia-noite do prazo final, e recebemos um e-mail da editora dizendo que eles só pegaram os contos enviados até as 18:00. Porra, então que tal DIZER isso no regulamento?

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 27 Ago 2009, 13:22
por Léderon
E, no fim das contas, deu em nada; eu e Emil nos matamos para escrever um conto antes da meia-noite do prazo final, e recebemos um e-mail da editora dizendo que eles só pegaram os contos enviados até as 18:00. Porra, então que tal DIZER isso no regulamento?
E tinha que deixar pro último dia? XD

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 27 Ago 2009, 13:32
por Madrüga
Só descobri no último dia, XD

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 02 Set 2009, 09:36
por Galtor_rj
Cara, eu nem sei o que é um anacoluto. Ha! E também não sou o primeiro escritor que acha ";"s inúteis.


Há braços.

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 05 Set 2009, 11:24
por banned_guardian
Gostei. Madruga não quer fazer uns contos pra umas imagens-respostas não? :dança:

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 27 Jan 2010, 02:21
por JOE_KR
Madruga, já faz um tempo que não leio nada teu, então, fico feliz por ter visto esse conto por aqui!!!

Gostei muito da idéia de que essa mulher, tão bonita e com algo de pueril, estar morta na verdade e de que os sapatos que aparecem no canto da tela serem os pés do assassino. A trama, em si, é muito simples. O mérito do enredo foi a criatividade com a qual narrou o que se passava na cena.

E acho que o ponto e vírgula é um recurso por vezes indispensável. Ajuda muito - mesmo!!!

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 10 Mai 2010, 23:10
por Lorde Seth
Bah, não vale, o modo como o assassinato ocorreu não foi explicado...

De fato, essa mulher parece mais estar viajando fortemente em um alucinógeno, como LSD, ou dopada em Vallium, ou qq anti-depressivo, do que morta em si.

Mas, se considerarmos que talvez o homem (ou a indústria) a dopara, então quem sabe ela não esteja, de fato, "morta?"

PS: Pensei quer fossem dois detetives, ao olharem a imagem. Um que olha a mulher, e o outro o "do pé".

Abraços.

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 11 Mai 2010, 00:02
por Madrüga
Ih, Seth, você então não entendeu nada...

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 11 Mai 2010, 15:50
por Lorde Seth
Madrüga escreveu:Ih, Seth, você então não entendeu nada...


Então, por favor, ilumine-me... =]

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 12 Mai 2010, 15:40
por Madrüga
É essa síndrome de Scooby-Doo que TEM que explicar TUDO, como se fosse história da Agatha Christie... e texto tem camadas de significado. Como o Shrek, :haha:

Explicar tira completamente a graça. Você tem que pensar menos literalmente, sei lá.

Perto dos olhos

MensagemEnviado: 15 Mai 2010, 17:46
por Lorde Seth
Não, não.

Para eu isso lê como o Barroco: Preciso em forma mas vazio em essência. Não pretendo passar julgamentos aqui, não me entenda mal, o texto ficou muito bem escrito e é legal de se ler. Mas a causa mortis, que era a proposta principal, está ausente. Se há algo lá, você poderia explicar, não tira a graça, muito pelo contrário, pode dar a graça, trazendo à luz algo que não foi visto.

Abraços.