por Emil em 16 Jun 2009, 00:24
Esperança
Eu esperava qualquer reação forte e absurda – lágrimas, objetos ou gritos arremessados, uma gradação de surpresa até o desespero a plenos pulmões – quando dei a notícia. Ela apenas tirou um maço de cigarros de uma das gavetas da mesa de cabeceira sem cabeceira como companhia. Acendeu o seu e entregou-me um, ainda em silêncio, e eu aceitei sabendo que não tinha outra opção.
Sentou-se na única cadeira da sala onde dera os últimos retoques no vestido, e fumou aquele primeiro cigarro inteiro, olhando pensativa para nenhum lugar, sem dizer única palavra. Sentei-me no chão, desconfortavelmente apoiado contra a parede, as costas um pouco curvadas, uma pouco menos que curioso sobre o que se passaria em sua cabeça.
Eu sempre soube que nunca aconteceria, e foi tudo o que ela me disse a respeito do acontecido. Depois conversamos sobre quaisquer trivialidades que fossem – as horas, o tempo, o trabalho –, enquanto dividimos o cigarro falado. Fiquei sem saber se ela quis dizer que já esperava aquele ele não vem sair da minha boca ou se apenas estava preparada para o abandono repentino.
Não tínhamos mais nada a dizer – eu mal a conhecia, fora escolhido pela outra metade do casal. Tive que passar por cima de dela para sair pela porta, concentrada no teto e naquele olhar que entregava: a solidão era seu hábito e seu presente eterno para mim.
Lutai primeiro pela alimentação e pelo vestuário,
e em seguida o reino de Deus virá por si mesmo.
Hegel, 1807