Relato de um Suicida

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Relato de um Suicida

Mensagempor JOE_KR em 11 Set 2007, 21:13

Koé!!!

Este é um conto antigo, acho que tem uns dois anos. Tem algumas coisas nele que, hoje, reescreveria, mas decidi postar ele por aqui intacto, tal como foi postado originalmente na velha spell e no meu blog. De qualquer modo, com ou sem alterações, não o considero um conto ruim. Espero que apreciem ;-)

Falow e té +!!!
Ass.: JOE K.R [se preparem para um conto depressivo!!!]
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RELATO DE UM SUICIDA

Apesar do sol estar castigando lá fora, elevando a temperatura a níveis insuportáveis, a casa se encontrava com as janelas trancadas e as cortinas fechadas. Os raios solares transpunham as cortinas, pois estas não eram tão grossas, e davam uma iluminação parcial.

A porta do meu quarto estava encostada, deixando o local ainda mais abafado, tendo somente como alívio para o calor tortuoso um ventilador ligado à baixa velocidade. A cama estava desfeita –não a arrumava havia dias, pois lá passei deitado na maior parte do tempo neste período de não arrumação. O cheiro fétido de suor acumulado que impregnava o ambiente não me incomodava; eu estava mais preocupado com outras coisas no momento...

Olhava a minha imagem no espelho. Os cabelos estavam totalmente amassados, despenteados e os meus olhos, vermelhos de tanto chorar e com olheiras logo abaixo, devido às noites mal-dormidas. A minha pele estava pálida, o meu corpo estava fraco, e os ossos levemente acentuados em cima da pele; a depressão, que me impedia de comer, já devia ter me roubado uns cinco ou seis quilos.

No momento, as lágrimas já haviam cessado; eu apenas encarava o meu reflexo, tentando tomar coragem para aceitar a escolha que fiz. Apesar da minha vida ter sido um acúmulo ininterrupto de problemas progressivamente piores e a morte me parecer o único alívio possível para o suplício da minha existência, ainda havia dentro de mim aquela insegurança quanto à decisão, o medo de estar cometendo o maior –e o último –erro da minha vida. Afinal, o suicídio é algo que, depois de feito, não há como ser desfeito.

Sentia-me um covarde, não somente por escolher a mais aliviante e simples das opções, porém a mais drástica e desesperada, mas sim também por não ter nem coragem suficiente para realizar aquele ato de covardia. A minha auto-estima se rebaixava a níveis cada vez mais baixos, quase chegando a perfurar o chão sob os meus pés.

“Não tenho outra escolha. Esta vida é uma merda. Tenho que por o fim nisso!”, disse a mim mesmo numa voz rouca e fraca, mas com certa firmeza.

Fui andando lentamente até o banheiro. Ao chegar, abri a porta do armarinho e de lá retirei a caixa de remédios. Coloquei-a em cima da pia e comecei a separar todas os pacotes de pílulas que encontrava em seu interior.

Novalgina, Bactrim, remédios para insônia, antidepressivos... Ia separando tudo o que eu encontrava.

Sai do banheiro e fui à cozinha, levando comigo todos aqueles pacotes de pílulas que separei. Lá, enchi cinco copos com água.

“Agora é a hora!”, pensei. Então, abri o primeiro pacote, peguei a primeira pílula. Meio receoso, a coloquei na boca e a engoli com a ajuda de um gole d’água.

O primeiro passo é sempre o mais difícil; depois, tudo fica mais fácil. Tomei a segunda, a terceira, a quarta e as demais pílulas sem dificuldades. Era quase automático. Às vezes, eu parava e as encarava por algum tempo; então, a reprise de algum trauma passava diante dos meus olhos, como se eu estivesse revivendo aquela lembrança recente ou distante. E isto me encorajava a continuar.

Não sei ao certo quantas pílulas tomei, só sei que foram muitas. E que, a medida em que eu ia tomando-as, meu corpo ia ficando mais fraco, minhas pálpebras mais pesadas e meu raciocínio mais lerdo.
Só parei de colocá-las para dentro quando já não havia mais nenhuma a minha vista.

Retornei ao meu quarto, e me sentei no chão –estava difícil me manter de pé -, na frente do espelho, para mais uma vez ficar me encarando. Senti um enjôo muito forte, uma ânsia de vômito terrível, daquelas em que você não consegue vomitar de jeito algum, apesar do imenso mal-estar e da vontade.

A minha cabeça estava abaixada. Resolvi, então, erguê-la, para que eu encarasse a minha própria face no espelho. Olhei profundamente dentro dos meus próprios olhos refletidos. E, subitamente, uma voz gritou dentro de mim: “mas que merda você está fazendo contigo?”

Paralisei. Fiquei sem reação. E eu perguntei para mim mesmo, tomando consciência do rumo a que as coisas tinham tomado: “mas que merda estou fazendo comigo?”.

Sim, eu tinha muitos momentos de tristezas e era muito depressivo. Mas havia ainda, dentro de mim, aquela vontade de viver ainda. Vontade esta que não compreendia, apenas sentia. E isto que me enchia de arrependimento –aquele sentimento que nos leva a condenar a nós mesmos pelo que fizemos ou deixamos de fazer.

Levantei-me com dificuldade, abaixei a cabeça e tentei vomitar todas aquelas pílulas. Mas, não saía nada. Tentei pular e socar o peito, mas nada me fazia conseguir pôr para fora aquilo tudo.

Sentei-me novamente e encostei as minhas costas na parede. Entreguei-me ao mais profundo choro. Juntei as duas mãos diante de mim e, soluçando, comecei a rezar. “Deus, me salve!” E “Jesus, não quero morrer” eram as frases que falava. Pedia salvação com clamor.

O quarto a minha volta foi escurecendo e se tornando cada vez mais frio. Uma calmaria se instaurou dentro do meu ser, interrompendo o pranto. O choro cessou.

“Está na hora!”, disse para mim mesmo. Uma última e fria gota de lágrima escorreu lentamente pelo meu rosto. Dei um suspiro fundo e fechei os olhos.

Fechei os olhos para nunca mais abri-los...
Minhas Palavras são escolhidas, minhas obras não têm igual; só para o tolo elas são vazias, para o sábio elas conduzem à glória.

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Mensagempor Sr.Personna em 12 Set 2007, 17:04

Gostei do estilo noir. Só consegui enxergar as cenas em P&B.
Inverossímel, quase cômico...
Mas tenho gostado dos clichês ultimamente, parei de condená-los indistintamente.
"Muito brincaram comigo,
até que aprendi a brincar...
Na vida se chicoteia
ou se deixa chicotear!"
(Lições, Lucas C. Lisboa)

O Jogo tem 3 regras simples:
1) Basta conhecer o Jogo para estar jogando.
2) Sempre que lembrar do Jogo, você perde.
3) Sempre que perder, você deve anunciar a derrota.
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Mensagempor Lanzi em 12 Set 2007, 19:28

Joey Koé, putz. Que saudade!

Bom, apesar da felicidade em te ver por aqui de novo, devo dizer que não gostei do conto.

Achei mau escrito com algumas passagens constrangedoras, escritas de forma até infantil:
A minha auto-estima se rebaixava a níveis cada vez mais baixos


é um exemplo.

E algumas fórmulas que já podemos considerar como chavões:

o medo de estar cometendo o maior –e o último –erro da minha vida. Afinal, o suicídio é algo que, depois de feito, não há como ser desfeito.


As emoções soaram frias de mais e praticamente não fizeram efeito, pois não apresentaram nada de novo. Ficaram muito distantes. Nada de diferente daquela idéia de 'suicída covarde' e coisas do tipo, que pra falar a verdade já deu o que tinha que dar.

Talvez um aprofundamento melhor nos problemas e nas atitudes da personagem resultassem num texto mais sério e maduro. Ficou devendo, pois não acrescentou nada.

Abraços!
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Mensagempor JOE_KR em 12 Set 2007, 22:56

Koé!!!

Sr. Personna,

Faz bem em não condenar os clichês, alguns escritores conseguem usá-los de forma bem original.
O que, definitivamente, não foi o caso desse conto.

Lanzi,

Como eu disse no início, é um conto de mais de dois anos atrás [acho que foi postado no meu blog em março de 2005, sendo que foi publicado lá depois de algum tempinho finalizado]. Hoje eu não o escreveria desta forma.

A fórmula que eu quis usar não era simplesmente o do "suicida covarde", mas algo um pouco mais complexo, uma espécie de narrativa sobre a decisão de se matar. Primeiro, o protagonista se encontra indeciso, se deve ou não se matar, se vale a pena ou não continuar vivendo; depois, a decisão e a ação que decidiu tomar - a de se matar; em seguida, o arrependimento e a tentativa de voltar atrás; por último, a resignação perante o fim inevitável. Se não consegui passar essa imagem, bem, então este conto foi um fracasso maior do que eu imaginei...

A narrativa, em si, não estava ruim. O problema foi a falta de profundidade com que tratei o tema, como vc apontou. Devia ter me estendido mais no drama existencial e adentrado mais no psicológico do protagonista - e, quem sabe, um enredo de fato talvez tivesse ajudado.

Falow e té +!!!
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Mensagempor Lanzi em 13 Set 2007, 13:41

Na verdade não foi um fracasso, porque serve sempre pra nos superarmos.

Gostei da parte em que você disse sobre a automaticidade com que ele ingeria as pílulas. Nesse ponto deu captar a intensão que você teve de focar a decisão e execução.

Abraços.
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Relato de um Suicida

Mensagempor Dahak em 16 Set 2007, 22:22

Sabe que não me soa estranho esse trabalho?
Creio que cheguei a lê-lo, ou pelo menos não duvidaria disso :P

Achei meio corrido. E não pela extensão em si, mas pelo apego a dramatização do ocorrido.
O final, no entanto, me pareceu mais forte e mais condizente com o esperado de um suicida.

O tempo faz bem para alguns trabalhos, mas não muito para outros, como acho que foi o caso. Ainda mais em uma época onde se ouve relatos de suicidas que deixaram cartas super melodramáticas/dramáticas sobre suas razões e sua vida.

No mais, os 5 últimos parágrafos me pareceram melhor que o restante do conto. Passou-me desespero, afobação... Enfim, gostei mais do final ^^".

Abração!


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Mensagempor Yuskeleton em 13 Jan 2009, 13:28

Estava vendo o Indéx de Contonópolis e acabei por parar aqui. Primeiro por ser um conto de alguém cuja a escrita eu já conhecia, admiro e não lia há tempos e segundo pelo título.

Farei apenas um comentário breve e irrelevante, apenas porque eu não queria ler e passar em branco.

Achei técnicamente bom, mas batido.

Bom, é isso =]

Eu disse que seria breve.

P.S.: Ah, quando der eu leio o outro conto do Index.
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Mensagempor Léderon em 15 Jan 2009, 15:20

Hum, eu achei que faltou emoção na narração, de verdade.
E uma coisa que eu acho meio complicado de fazer é descrever pensamentos em primeira pessoa. Ninguém pensa em frases em momentos como "Agora é a hora!"; a pessoa vai e simplesmente faz. Talvez dizendo isso de maneira indireta no texto ficaria melhor.
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Mensagempor Madrüga em 15 Jan 2009, 15:32

Sou forçado a concordar inteiramente com Lanzi aqui, adicionando o fato de que o texto está crivado de errinhos bobos de pontuação, capitalização, etc.

Mas o que me incomodou mais é aqui resumido pelo Léderon:

Léderon escreveu:E uma coisa que eu acho meio complicado de fazer é descrever pensamentos em primeira pessoa. Ninguém pensa em frases em momentos como "Agora é a hora!"; a pessoa vai e simplesmente faz. Talvez dizendo isso de maneira indireta no texto ficaria melhor.


Inverossímil, como disse o Personna (quer dizer, escrito certo). O que salta aos olhos e incomoda muito é a inverossimilhança do narrador; narrar em primeira pessoa parece válido quando se trata de um escrito, e geralmente não no pós-morte: grandes sacadas, como Brás Cubas, nem precisam ser muito explanadas; o autor-defunto (ou defunto-autor) já começa o livro com um desafio a sua própria verossimilhança, nos mostrando que o escritor não estava enganado quanto a isso.

Mesmo narradores supostamente oniscientes são um desafio à verossimilhança (uma sacada boa de Dostoiévski, que tinha essa preocupação, por exemplo), à medida em que não se explica o fato de eles terem acesso a pensamentos íntimos das personagens.

Não quero chegar a dizer que isso invalida o conto, mas tira muito da qualidade.
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