A Casa das Cinzas Sagradas
Despertei em meio à escuridão sepulcral, frio e silencioso como sempre fora. Como sempre deveria ser. As mesmas imagens teimaram em passar em minha mente com a mesma crueldade daquele dia. Fogo quente e assassino a calcinar a carne daquela que me gerou.
A tristeza me abraçou solenemente como minha amante frígida.
Permaneci deitado sobre a pedra velha e desgastada pelos anos, com minhas mãos pousadas sobre o peito, segurando o crucifixo que pertenceu a ela. Estava pensativo como sempre fiquei quando me submeti a esse tipo de “vida”.
Abandonei meu lar sombrio, abandonei meu odioso pai. Desisti de viver enquanto não o destruísse. Enquanto não o fizesse pagar por tê-la deixado morrer na fogueira.
Vaguei por muito tempo nestas terras malditas, destruindo os servos do meu pai que tiveram a sina de cruzar meu caminho. Salvei pessoas e vilas, inocentes, fracos ou poderosos, isso não me importava. Mesmo assim meu destino sempre foi o mesmo...
“Monstro!”.
Hoje não consigo encontrar palavra mais apropriada para mim. Nem homem, nem vampiro, mas com forças e a fraquezas de ambos. Presa e predador ao mesmo tempo.
Chega de divagações!
Levei minhas mãos nuas ao áspero tampo de meu leito e o empurrei para o lado cuidadosamente. Ergui-me do túmulo onde dormi por longos períodos e de onde sai apenas para caçar e realizar minha vingança. Os anjos de pedra me saudaram com sua tristeza comedida, abraçados nas sombras do Mausoléu dos Caçadores.
Ajudei a derrotá-lo por duas vezes, meu maldito pai, e em ambas você retornou. “Que esta seja a última vez que eu provarei deste cálice amargo que mantém minha existência torturada até hoje.” Eu pensei.
Senti fome...
Perdão, minha mãe. Alguém será obrigado a abandonar este reino e encontrar o Senhor por minhas mãos.
Levantei-me da tumba que ocupei e segui rumo a minha espada, pousada diante da Sagrada Cruz, segura pelas mãos de um anjo pálido. Tomei-a e me ajoelhei diante das sacras esculturas, como um cavaleiro se ajoelharia perante seu rei. A lembrança daquele dia se reavivou novamente em minha mente, torturando-me, castigando-me por ter chegado tarde. As chamas, as cinzas e a chuva...
Tudo ainda tão nítido...
Rezei por paz. Rezei por meu sucesso. Rezei para encontrar a luz...
Meus cabelos dourado-prateados correram como cascatas, deslizando sobre meus braços, enquanto minha prece silenciosa era feita. Terminada, levantei-me e apanhei minhas luvas negras. Guardei a espada em sua bainha e abandonei meu refugio mórbido.
“Adeus, Casa das Cinzas Sagradas! Adeus, Clã Belmont! Que eu nunca mais precise me recolher às suas asas nefastas. Que nossos caminhos nunca mais se cruzem. Que a lua vermelha da Transilvânia, agora minha companheira, beije seu brasão pela última vez.”
Pelas lápides do cemitério, sigo agora por meu caminho em busca de minha caça e minha vingança. Aguarde-me, meu pai, em breve teu filho rebelde irá por um fim a teu reinado de trevas...
In nomine Patris, et Filis, et Spiritum Sancti...
…Amem…