No inicio desse ano, resolvi faze-lo, juntamente com a ânsia de escrever algo realmente longo, apesar de estar demorando, meu intento está se concretizando.
Paradoxalmente, apesar de querer escrever algo épico de muitas paginas, as partes do conto são pequenas - algo anormal as minhas práticas de escrever partes grandes de no mínimo 8 paginas.
Atualmente, já tenho escrito 28 partes, que pretendo postar uma por semana, as vezes mais.
Para relembrar dos texto aos antigos leitores, e para conhecimento dos novos, repostarei "Encontros", que serve como um prólogo do mesmo. Espero que desfrutem da leitura, e não se acanhem quanto a criticas, sem elas é impossível evoluir. Abraços!
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Por
Breno Pascal de L. Brito
Prólogo:
Encontros
A noite já se encontrava presente, nuvens densas e escuras tampavam o céu tornando tudo um verdadeiro breu. Para aqueles que possuem bons olhos tornava-se possível ver uma figura deveras singular subindo lentamente a colina tingida de branco pela neve, um homem mais alto do que qualquer outro.
Media em torno de dois metros e trinta centímetros, envolto numa grande capa de pele, seus cabelos rubros misturavam-se ao pelo da capa, seus olhos brilhavam como os de um lobo e em sua mão ele carregava uma enorme lança com a pele de um lobo amarrada na extremidade.
Logo ele estava no cume. Olhando todo o vale abaixo dele, de lá se via bosques e um caudaloso e gelado rio cortando a planície; na sua margem se encontrava uma pequena vila, algo em torno de 15 casas, todas grandes o suficiente para caber por volta de 30 homens adultos de bom porte, isso os colocando lado-a-lado.
Num movimento brusco, o homem cravou sua lança no alto, a fixando firmemente, ainda encarando a vila, em busca de possíveis batedores ou vigias, quando foi surpreendido por uma voz de um velho cansado:
— Hadagash meu filho, achas mesmo que é prudente colocar de aviso teu estandarte?
Soltando um leve suspiro, Hadagash voltou-se para o homem, agora ao seu lado, um velho, curvado pelo peso da própria idade se apoiando num cajado rústico, com olhos ainda com um brilho infantil porém transbordando do mais profundo saber. Com um tom respeitoso, mas impregnado de autoridade e força, as palavras saíram de Hadagash:
—Meu bom bruxo quiçá meu bom amigo, esperava de ti o mais profundo conhecimento sobre meus atos, e cá estamos nós, estando vossa mercê a indagar as cousas que venho a realizar.
—Sabes quantas vidas se perderão ao negares a investida sobre a sombra da surpresa meu bom filho?
—Sim, mas devo fazê-lo da mesma forma, pois todos aqueles que me seguem sabem os riscos que correm por fazê-lo. Darei tempo para a vila preparar seus homens e botar a correr tuas crianças, mulheres e velhos, pois não há honra em atacar aqueles que dormem e aqueles que não lutam . A glória desse tipo de carnificina é vazia e vil.
_Digo-te não! Reservo-me o direito da glória de trazer a morte aos meus inimigos preparados, sem crianças para atormentar-lhes a mente e gritos de mulheres a queimar para tirar sua atenção do combate iminente. Será o último embate dessa minha longa empreitada e juro-te meu bom amigo, há de ser magnífico e imortalizado nos lábios dos mais hábeis bardos e trovadores.
Com essas palavras o gigante deu-lhe as costas, descendo a colina em direção ao seu acampamento. Via-se o nervosismo que precede a batalha estampado no rosto de cada guerreiro que lhe acompanhava; então pôde sentir o ar se eletrizar e a satisfação de uma grande batalha por vir, se revelando em um franco sorriso, sorriso este que serviu para acalmar o coração de alguns jovens e preocupar outros mais veteranos.
(...)
Em plena revista do contingente, se ouviram os gritos e murmúrios dos homens. A confusão crescente levou Hadagash a se voltar para trás e ver dois Jöttin vindo até eles, estavam desarmados e com os escudos virados em sinal de paz, traziam também o estandarte que fora colocado no alto da colina, a pele do lobo agora suja e escarrada fora lançada aos pés dos homens.
O mais alto e grotesco dos Jöttin se pronunciou numa língua indecifrável, algo que misturava o arcaico dialeto das ilhas ao norte com rugidos e grunhidos, o outro gigante que lhe acompanhava traduzia aquilo com desprezo e em um sério tom de ameaça:
—Macacos róseos, meu senhor Gjork está a perguntar quem fala por esse bando de cães sarnentos que ousa trazer vos tão longe e sujar suas imaculadas terras.
Saindo do meio dos seus homens com passos firmes, Hadagash se prostrou frente ao enorme Gjork, que fazia até mesmo Hadagash parecer um anão, e com um tom calmo e impregnado de desafio respondeu:
—Eu respondo pelos atos e por todos esses homens, gigante. – enquanto falava, ele tinha os olhos avaliando Gjork e era avaliado por este, então o ultimo grunhiu mais algumas palavras, que assim foram traduzidas:
—Quem es tu cão?
—Sou Hadagash Yggdresson, Konungr dos Vanir-Aesires, aquele que traz morte e medo aos de tua raça, aquele que vem do sul para tomar tuas paragens. Sou conhecido entre os teus como “Aquele que cavalga a tempestade” e escolhi os vales rochosos a um vôo de águia como o mais novo limite do meu hoje vasto reino. – as palavras fizeram o sangue do tradutor gelar e o Gjork olhar para Hadagash com respeito. – E para provar que sou um ser piedoso, darei a vós até o sol alto para fugirem como maricas que são e deixarem apenas teu fétido cheiro para trás, e, quem sabe tuas, horrendas mulheres para sentirem o ferro dos meus homens e ganirem como cadelas.
Por uma vez mais os olhos de Gjork e Hadagash se encontram e ali eles travaram a primeira batalha, um embate épico de vontades férreas. Vendo que nenhum desistiria daquilo e o tempo era escasso, com uma forte escarrada Gjork sujou a face de Hadagash e se retirou, e quando já estavam longe de possíveis setas Hadagash lhe gritou:
—Espero que não sejas um biltre cobarde, Gjork de Nidhelm, pois irei encontra-te no campo de batalha e te farei a barba rente ao teu pescoço, e me serás eternamente grato por livrar-te do peso inútil que carregas sobre os ombros – e em meio a urros de aprovação de seus homens, Hadagash deu as costas aos Jöttin voltando aos seus interrompidos afazeres.
(...)
Então só se ouvia o som de gritos de fúria, de carne sendo dilacerada e de metal contra metal.
Apesar da vantagem física dos Jöttin e deles terem se preparado para esse embate, não só a vantagem numérica dos homens como as táticas apresentadas e constantemente renovadas de Hadagash faziam-nos ganhar mais e mais terreno. Metade dos guerreiros Jöttin estava morta ou gravemente ferida e Hadagash estava frente a uma pilha de corpos, abrindo caminho até Gjork, o maior e melhor guerreiro entre os Jöttins.
Num movimento rápido, a espada de Hadagash descreveu um arco no céu parando bruscamente no escudo de Gjork, que revidou o ataque com uma machadada defendida próximo ao pescoço por Hadagash. A batalha parecia extremamente injusta; era como ver um homem feito lutar contra uma criança de 8 anos de idade, mas por mais fortes e brutais que fossem os golpes de Gjork, Hadagash conseguia apará-los, ora com a lâmina, ora com o escudo, mostrando ter tanta força quanto o gigante.
A fúria do combate fizera com que se abrisse um círculo ao redor deles; para ambos todo o resto tinha desaparecido, para cada um existia apenas o outro e a vontade indomável de exterminá-lo.
Para cada espadada de Hadagash havia um movimento rápido de Gjork para pará-la com o machado.
Da mesma forma o Jöttin via que era virtualmente impossível acertar Hadagash, pois ou ele aparava o ataque com sua espada ou escudo, ou se desviava dos ataques com breves esquivas laterais.
Um grande ataque de Gjork, um arco ascendente da esquerda para direita acertou o escudo de Hadagash em cheio, arremessando-o alguns metros com o escudo partido em dois.
A queda fora brusca, e antes de se levantar Gjork já estava em cima dele desferindo pesadas machadadas, dificilmente defendidas agora apenas pela espada.
O humano a todo custo tentava sair de baixo do gigante, girar para os lados e poder se levantar, porém Gjork não estava disposto a perder aquela vantagem, atacava com mais e mais fúria; babava e grunhia a cada machadada.
Hadagash tentava achar um meio de se levantar, se arrastando de costas no chão, defendendo desesperadamente cada ataque de seu algoz, se enfiando então sob um Jöttin morto o usando de escudo e levantando com ele, empurrando Gjork. Ganhou distância com um salto para trás e mais uma vez eles se encararam, arfando, avaliando as possibilidades de atravessar a defesa do outro.
Então Gjork tentou mais uma vez um ataque forte, desta vez um ataque descendente, em meio a um grito feroz e animalesco. Hadagash aproveitou o momento e sua estatura menor que o Gigante, abaixou-se um pouco e desferiu um único e poderoso golpe da esquerda para a direita contra a perna do inimigo.
O golpe foi na altura do joelho, forte o suficiente para decepar ambos, ignorando a pele, ossos e nervos, Gjork caiu para frente urrando. Passou por cima de Hadagash o sujando com seu pérfido sangue, caindo por terra pesadamente, fazendo um pequeno estrondo, seus gritos de dor pararam por um breve momento a batalha, e logo seus olhos estavam em cima de seu executor. Com olhos lacrimejando ele balbucia algo para o homem, que o decapita sem piedade.
(...)
Tudo terminara. Só se viam corpos e sangue por todo o lado. Os Jöttin foram derrotados e suas casas estavam sendo pilhadas, assim como seus corpos.
Sentado sobre uma rocha estava o grande general que tornou possível essa conquista; à sua frente estava a enorme cabeça de Gjork. O olhar de Hadagash se encontrava nostálgico, não havia mais da alegria e ansiedade que possuía horas antes, suas medidas se tornaram distantes e apáticas desde a morte do Jöttin, encontrava-se perdido em um mundo distante e desconhecido para todos, talvez até mesmo para os seus deuses.
Seus homens, os poucos que sobreviveram, estavam felizes, bêbados, urrando e pilhando. Frente a essa alegria Hadagash era um alienígena. Muitos depois comentaram essa atitude como uma forma que o grande líder tem de desprezar e humilhar seus seguidores, mas não ali nem agora.
Mais uma vez como se do nada uma voz aparece para tirar Hadagash do seu mundo, uma voz cansada:
— Então meu filho, enquanto outros festejam e bebem, tu te perdes em lamentos e nostalgia?
— O que esperavas de minha pessoa, meu bom amigo? A peleja há muito acabou, não há mais o que se fazer aqui, não para mim.
O velho apenas o encarava e balançava lentamente a cabeça, andando em meio aos corpos, indo em direção a neblina que vinha do rio.
— Sabes Hadagash, há o que se fazer aqui ainda, algo importante, que mesmo um asno fétido como tu tem a capacidade de fazer. Não deves lamentar o apego à vida de outrem, isso não é cobardia, meu ignóbil amigo.
—Mas não é coragem, pensei que ele era alguém valoroso o suficiente para poder possivelmente vir a tirar minha vida em combate justo, mas se humilhou pedindo misericórdia. – essas palavras soaram com profundo rancor, sendo seguidas de um violento chute na cabeça de Gjork; chute este que a arremessou longe. O velho feiticeiro já tinha sumido entre as neblinas, e Hadagash mais uma vez se encontrava sozinho.
Talvez movido pela ânsia de não se perder em pensamentos inúteis ou pela vontade dos seus deuses, Hadagash começara a caminha lentamente em direção a uma das casas ainda inteiras. As chamas pareciam não querer queimar aquela casa, e algo atraía Hadagash para lá; ele podia ver pela janela esfumaçada um leve movimento, talvez um Jöttin remanescente que em desespero se mostrasse uma diversão única.
Ao adentrar a casa perdida em fumaça ele pôde ouvir alguns gritos. Um dos seus homens segurava alguém pelo braço, nem de longe era um gigante, nem mesmo tinha porte de ser um homem; era uma mulher, uma mulher de corpo obeso, e cabelos loiros longos.
Suja de lama e fuligem, ela se debatia enquanto o homem tentava dominá-la; talvez a índole dele ou a bebida ou quem sabe a necessidade de se encontrar com uma mulher depois de tanto tempo em campanha, mas ela não se mostrava solidária às necessidades do homem e o atacava de todas as formas, ao ponto dele perder a cabeça e esfaqueá-la ao peito inúmeras vezes até ela cair. Utilizando seus últimos esforços para tentar alcançar um quarto qualquer de onde então se pode ouvir um choro de criança. O homem adentrou o mesmo meio que cambaleante, seguido por Hadagash, e eles puderam ver um bebê, um ser de pele branca, maior que um bebê humano e menor que um gigante, um híbrido que estava sendo amaldiçoado pelo homem, que o mataria com certeza se não sentisse o toque gélido da lâmina de Hadagash contra sua nuca.
—Cão, permito que sejas um biltre e violente mulheres quiçá as mate, mas o que pretendes quanto a esse infante?
—Meu senhor, é uma cria de Jöttin, merece ser tratada como qualquer outro de mesmo sangue!
—Digo-te que não, ser vil, pois esse pequeno também tem sangue de Vanir-Aesires, pois do contrário os deuses não me levariam a presenciar tua cobardia. Partas daqui e manterá tua cabeça sobre os ombros!!
O pobre homem fez uma vênia e se afastou, murmurando algo sobre a confiabilidade do Konungr aos de sua raça, algo que não deveria ser feito, pois num rápido sibilo ele teve sua cabeça separada dos ombros. O barulho da carne sendo cortada e o espirro do sangue sobre o bebê o fez calar e sorrir, Hadagash o pegará pelo pé, o deixando de ponta cabeça, virá nele a marca da realeza Jöttin. Deveria ser um dos tão falados bastardos híbridos do Konungr dos Gigantes.
Ponderava sobre o quão sábio era deixar aquela criança viva; as lendas diziam que um nascido de inimigos traz azar e mau agouro para aqueles que o criam. O erguendo até seus olhos, encarou os olhos do infante e viu-se refletido neles, o pequeno sorria e tentava pegar no rosto daquele seu possível executor, mas então uma risada gutural sai de Hadagash, que embala o pequeno em sua capa e cospe ao chão para afastar os maus agouros.
—Ouça infante, a partir de hoje serás conhecido como Fangral Hadagashson, aquele que não teme a morte e quiçá um dia meu mais novo filho, tu ou teu irmão Sleipnir possas sanar a ânsia que teu pai tem por batalhas realmente grandiosas. – naquela noite se pôde ouvir Hadagash gargalhar e contar histórias para seus homens e especialmente para seu mais novo filho, aquele que viria a se tornar um dos melhores guerreiros daquelas e de outras paragens.
(...)