Página 1 de 1

Metáforas

MensagemEnviado: 29 Dez 2007, 15:27
por Vatek
Olá,

Mais um novato. Pois é. Como não gosto de criar tópicos de apresentações, resolvi começar postando um conto não muito novo -- ele foi criado para uma disputa de contos em outro fórum, e sofreu apenas uma revisão desde sua "gênese".

Há muitas referências a Watchmen, por isso, quem leu a saudosa obra de Alan Moore e David Gibbons pode relembrar de passagens da HQ.

Possui coisas pendentes ainda, e talvez alguma redundância. Espero críticas, sempre; e também comentários, pois é deles que se vive o escritor.

Sem mais delongas, o conto.

P.S.: quem descobrir -- o que é bem fácil -- em que personagem o protagonista foi baseado, ganha um doce. Aliás, desculpem a linguagem chula usada por vezes no conto. E ele é bem pequeno, portanto não esperem uma obra prima, e sim um trabalho amador!

---

Metáforas


“O mundo desaba e então suplicamos por ajuda. No entanto, não percebemos que somos nós mesmos que causamos o desabamento.”

Diário de Witch, 15 de Novembro de 1974.

Embora o ar esteja rarefeito e o tempo frio, Nova Iorque está abafada. Perto do cortiço o gari empurra o sangue da calçada contra um bueiro; um cão fora atropelado uma noite antes. Tal notícia é uma metáfora percebida por poucos além de mim para com a metrópole: Nova Iorque espuma quente e infernal, fervilhando de putas, mercenários e neonazistas. Quando estiverem suados, às portas da morte, quando tudo irromper, vão pedir minha ajuda... E eu direi “não”. Então todos eles escorrerão como o sangue do cão pelo bueiro. Desgraçados.

Assassinato na 5ª com a 42ª. Joshua Kane, o soldado aposentado, é morto com três estocadas de tesoura pelas costas em uma sorveteria. Mais violência. Pobre velho. Maldito assassino.

Vou investigar.

Precisarei da ajuda do velho Bob; se não cooperar, terá mais um dedo quebrado.

Diário de Witch, 16 de Novembro de 1974.

A sorveteria está entrecortada por faixas amarelas e protegida por alguns policiais novatos. Não me reconhecem; talvez por não estar usando minha velha máscara. Os crápulas possuem medo de nós, dos que os salvam do pior; ingratos. Olho de soslaio para os recrutas: agarram de leve os revólveres, meio que assustados. Pobres coitados, ainda não conhecem a vida.

Entro num beco que guarda um mendigo carcinomatoso. Ele escarra sob meus pés. Quebro seus incisivos com um pisão. Ele choraminga; eu apenas lamento. Pessoas assim não merecem viver nos Estados Unidos da América: são pobres e sujas, de alma decadente, afogada na imundície urbana.

Finalmente chego à porta dos fundos. A velha chave-mestra ainda funciona, mesmo enferrujada. No interior da sorveteria há apenas lixo pornográfico e ratos; essas metáforas ainda me assustam. Na escada que subo há panos sujos de vômito e fotos comprometedoras da dona do estabelecimento com outras mulheres. Talvez lésbica? Não faço idéia.

Atinjo o exato local do assassinato. O assoalho ainda está imundo de sangue. A pista do velho Bob era certeira: havia sido mais de um agressor; talvez uma gangue urbana. As marcas ainda são frescas... Quase consigo ver Joshua Kane inerte no chão, amaldiçoando os desgraçados ao inferno.

Ao lado das marcas de morte há algo que nenhum investigante percebera: restos de cocaína. Grãos minúsculos, esparzidos em direções caóticas. Qualquer um julgaria, outrora, como areia trazida por sapatos bem-aventurados, entretanto meu olfato não falha.
Nunca.

Joshua Kane, o inveterado e famigerado soldado, morto por uma gangue de drogados. Neonazistas.

Pobre velho. Alguém que matara centenas de canalhas soviéticos não merecia aquilo.
Após muito tempo de pulso de ferro vi uma lágrima solitária verter de meus olhos e chapinhar no chão ensangüentado.

Caso encerrado.

Diário de Witch, 17 de Novembro de 1974.

Acordei em meu quarto sórdido, no cortiço. Os lençóis empapados de suor são frutos de pesadelos envolvendo um canídeo morto, um velho pisoteado por skinheads e um sundae que tinha sangue como cobertura. Tenho que parar de ler literatura gore, embora saiba que tais pesadelos sejam frutos de outra mania...

As pessoas acordaram escaldantes e fedorentas como ratos, e Nova Iorque é o queijo. A Big Apple não é mais a mesma. A senhoria do pardieiro bateu raivosamente em minha porta, pedindo o pagamento do aluguel... Ela o faz todo santo dia. Devia me agradecer por aceitar morar neste antro de putas e baratas.

Visto meu casaco e a máscara. Saio pelo beco; o jornaleiro me encara aflito e temeroso, de mãos trêmulas, enquanto peço o New York Times. Eles me consideram um “aventureiro mascarado”. Eu me considero um mero patriota americano.

Viando até o Queens e sento num banco desocupado. Observo dois garotos negros chutando uma réplica da Estátua da Liberdade. Dois chutes depois um ranger duro e fragmentado ecoa pelo bairro. A estátua da praça alui vagarosamente, sucumbe às pichações e riscos que recebera desde o início...

...Assim como o mundo que enxergo hoje.

Ainda me surpreendo com tais metáforas.

Metáforas

MensagemEnviado: 30 Dez 2007, 00:09
por Dahak
Vatek, tudo bem?
Espero que sim.

Seja muito bem-vindo a Contonópolis!
Espero que sua estadia seja duradoura e proveitosa.

Precisando de qualquer coisa, a Draconasti e eu estamos aqui para ajudar ;)

Vamos ao conto.

Referências de Watchmen?
Tem bom paladar :cool:

Achei a construção do seu conto bastante sólida, com boas passagens que nos fazem questionar alguns comportamentos humano. Mais ou menos como alguns dos pontos positivos de Watchmen.

Falando de solidez, esse é um ponto que venho tocando ultimamente no fórum.
Não raro se vê grandes histórias se tornando tão grandes que saem de controle. Aqui, muito diferente disso, temos um primor pelo coeso e bem pensado, de forma que não foi necessário muitas linhas para fazer uma história completa e rica em detalhes e nuances.

Muito, muito promissor.
Espero ver muitos outros trabalhos seus por aqui.

Mais uma vez, seja bem-vindo. Sinta-se em casa.

P.S.: Aliás, como se saiu no concurso?


Dahak Out

Metáforas

MensagemEnviado: 30 Dez 2007, 00:21
por Vatek
Olá,

Vatek, tudo bem?
Espero que sim.

Sempre.

Seja muito bem-vindo a Contonópolis!
Espero que sua estadia seja duradoura e proveitosa.

Obrigado. Espero ler, comentar e postar muitos trabalhos aqui.

Vamos ao conto.

Go!

Referências de Watchmen?
Tem bom paladar :cool:

É preciso apreciar bons vinhos para fazê-los ainda melhores. :cool:

Achei a construção do seu conto bastante sólida, com boas passagens que nos fazem questionar alguns comportamentos humano. Mais ou menos como alguns dos pontos positivos de Watchmen.

A tal parte filosófica. Acho que "absorvi" de Watchmen. Não costumo usar muito disso em meus trabalhos... Às vezes a criatividade foge, ora vem. Metáforas foi feito após reler Watchmen e ouvir algumas músicas inspiradoras -- costumo ouvir músicas referentes ao tema do texto quando escrevo.

Falando de solidez, esse é um ponto que venho tocando ultimamente no fórum.
Não raro se vê grandes histórias se tornando tão grandes que saem de controle. Aqui, muito diferente disso, temos um primor pelo coeso e bem pensado, de forma que não foi necessário muitas linhas para fazer uma história completa e rica em detalhes e nuances.


Gosto de contos menores e bem fechados. Eu tenho um vício de ter "pipocações" de idéias, criar contos em partes, deixá-los ao ar e partir para uma nova empreitada. E não se preocupe com textos grandes. Os maiores que já fiz possuem apenas 14 páginas. :aham:

Muito, muito promissor.
Espero ver muitos outros trabalhos seus por aqui.

E verá. É esperar a inspiração bater a porta. Espero que ela chegue logo.

Mais uma vez, seja bem-vindo. Sinta-se em casa.

Claro. Mas eu não posto muito, mesmo.

P.S.: Aliás, como se saiu no concurso?

2º lugar, tema Violência Urbana.

Obrigado pelo comentário, Dahak!

Metáforas

MensagemEnviado: 30 Dez 2007, 00:30
por Lady Draconnasti
Draconnasti, Magestade, é Draconnasti...

Bom, só tenho uma pergunta a fazer quanto a esse texto: Quando sai mais? =D

Metáforas

MensagemEnviado: 30 Dez 2007, 00:34
por Vatek
=P No momento estou trabalhando em algo voltado mais para medieval; vou ver se termino segunda-feira. (dãã, o que esperar de um RPGista :linguinha: ).

Metáforas

MensagemEnviado: 30 Dez 2007, 00:38
por Lady Draconnasti
A lista é extensa, quer que eu cite algumas idéias do que esperar de um RPGista? ;)

Metáforas

MensagemEnviado: 30 Dez 2007, 00:41
por Vatek
Não é necessário. Tenho medo do que possa vir a ser. :bwaha:

Metáforas

MensagemEnviado: 30 Dez 2007, 00:45
por Lady Draconnasti
Ahahuahuahuahauahauhauhua

Estamos aguardando seu próximo conto ;)

Metáforas

MensagemEnviado: 30 Dez 2007, 20:15
por Dahak
Vatek escreveu:A tal parte filosófica. Acho que "absorvi" de Watchmen. Não costumo usar muito disso em meus trabalhos... Às vezes a criatividade foge, ora vem. Metáforas foi feito após reler Watchmen e ouvir algumas músicas inspiradoras -- costumo ouvir músicas referentes ao tema do texto quando escrevo.

Hun...quais as músicas nesse caso?

Vatek escreveu:Gosto de contos menores e bem fechados. Eu tenho um vício de ter "pipocações" de idéias, criar contos em partes, deixá-los ao ar e partir para uma nova empreitada. E não se preocupe com textos grandes. Os maiores que já fiz possuem apenas 14 páginas. :aham:

Olha, ler trabalhos longos tem virado minha especialidade. Boa parte do que há por aqui segue essa linha. Ou melhor seguia, recentemente a tendência voltou a ser de trabalhos curtos.

Aliás, fiquei com a sensação que você te mais material antigo. Por que não os traz pra cá enquanto a nova inspiração não da o ar da graça?
;)

Vatek escreveu:2º lugar, tema Violência Urbana.

Obrigado pelo comentário, Dahak!

Opa, parabéns!

E disponha ;)

Lady Draconnasti escreveu:Draconnasti, Magestade, é Draconnasti...

Amor, perdoa eu.
Escreveria apenas nasti, mas aí me ocorreu que talvez ele não soubesse quem é a nasti, aí só joguei mais um draco ali =P


Dahak Out

Metáforas

MensagemEnviado: 30 Dez 2007, 20:22
por Vatek
Hun...quais as músicas nesse caso?

Se bem me lembro, foi Road to Joy, da banda Bright Eyes.
É. Indie rock. :roll:

Aliás, fiquei com a sensação que você te mais material antigo. Por que não os traz pra cá enquanto a nova inspiração não da o ar da graça?
;)


Pois é. Talvez eu poste alguma coisa antiga aqui... Mas tenho que revisar primeiro.

Metáforas

MensagemEnviado: 30 Dez 2007, 21:57
por Dahak
Hun...Não conheço a música.

Poste sim, é bacana ver um "antes e depois" ;)
Apesar que não sei a data de criação deste...


Dahak Out

Metáforas

MensagemEnviado: 31 Dez 2007, 02:10
por Lady Draconnasti
Dahak escreveu:Amor, perdoa eu.


Reza pro Lord não ver isso XD

Metáforas

MensagemEnviado: 10 Jan 2008, 21:45
por Volcano
Nossa...

Conheço muito pouco de Watchmen, mas por falar em HQ, ao ler a voz do protagonista certamente imaginei alguma obra de Frank Miller! Em especial da série Sin City, talvez? Sim, creio que sim...além disso, há uma expressividade e personalidade que me lembra também de Constantine. Apesar de não ser grande conhecedor de HQs, foi a impressão que passou (muito boa, por sinal). Ouso dizer até que não haveria dificuldades em adaptar este conto para os quadrinhos, de tal forma se construiu o ritmo e certas nuances... :aham:

Gostei. É uma perspectiva que me agrada bastante...inclusive acho que está no tamanho ideal. Tenho uma ligeira impressão que qualquer diminuição ou aumento causaria sérios danos, talvez. Mas uma continuação seria bem vista (pelo menos eu viria lê-la, hahaha)...

Metáforas

MensagemEnviado: 12 Jan 2008, 13:53
por Vatek
Obrigado, Volcano. :)

Continuação? Acho um pouco difícil. Tenho tantas coisas para terminar, e ainda almejo postar mais algum trabalho aqui, em Contonópolis. Mas muito obrigado pelo comentário!